Entrevista: Fernanda Cavalcanti, do MNPR/RN, nos fala sobre solidariedade, luta e desnaturalização da violência contra a população em situação de rua.

Por Equipe Festival Camomila

Você conhece o Movimento Nacional das Pessoas em Situação de Rua? 

 

Durante todas as transmissões do nosso Festival Camomila 2020 disponibilizaremos na sua tela um QRCode, com o intuito de arrecadar fundos para essa iniciativa tão importante. 

 

Nessa semana que antecede o início da nossa edição, conversamos com Fernanda Cavalcanti – psicóloga apoiadora do Movimento Nacional da População em Situação de Rua no Rio Grande do Norte – a fim de jogar luz sobre a organização e de nos aproximar do tema.

 

A entrevista foi feita pela nossa redação em 04 de agosto de 2020 e você confere logo abaixo:

 

(Redação Camomila): Qual a forma de atuação do Movimento Nacional das Pessoas Em Situação de Rua?

 

(Fernanda Cavalcanti): O Movimento Nacional de População em Situação de Rua nasceu em 2004 após o massacre da praça da Sé, em São Paulo, onde várias pessoas que dormiam nas ruas foram feridas e mortas de modo cruel, resultado de discursos e práticas de intolerância e preconceito. Desde então pessoas em situação de rua que já começavam a se organizar pelo país se uniram e criaram o MNPR com objetivo de lutar pela vida das pessoas que vivem nas ruas: contra todas as formas de violência e opressão, e pela criação de políticas públicas estruturantes que possibilitem o acesso aos direitos humanos e sociais e a superação da situação de rua. No Rio Grande do Norte o MNPR foi fundado em 2012 a partir de incentivos e parcerias com o Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O MNPR/RN realiza atividades formativas com pessoas em situação de rua, diálogos com o poder público e a sociedade civil através da mídia, participação em atividades acadêmicas, conselhos de políticas públicas, audiências e outros espaços democráticos, sempre apontando as demandas e necessidades do segmento e buscando potencializar os serviços e ações destinadas a este público.

 

(R.C.): Há algum suporte governamental para as atividades de vocês?

 

(F.C): O MNPR/RN não recebe recursos de órgãos do poder público, de modo geral as atividades são custeadas através de campanhas solidárias E entidades parceiras. Eventualmente são realizadas parcerias com alguns órgãos para realização de congressos e atividades do movimento.

 

(R.C.): Como a pandemia tem impactado a vida das pessoas em situação de rua? 

 

(F.C): A população em situação de rua está na linha de frente da exposição ao coronavírus. A pandemia é uma situação de crise que amplifica as desigualdades e os determinantes sociais de saúde, onde adoecem e morrem mais os que tem as piores condições de vida: alimentação, moradia, escolaridade, acesso aos serviços de saúde, entre outras questões. As pessoas em situação de rua muitas vezes não conseguem sequer atendimentos em hospitais e unidades de saúde, ou acesso a informações e insumos básicos. Por isso desde que a mídia começou a divulgar a situação de pandemia, o MNPR/RN pressionou o poder público estadual e municipal a criar planos de ações para o atendimento da pop rua no contexto de pandemia, que teve como respostas a criação de abrigos temporários em Natal e Mossoró, por exemplo, a gratuidade nos restaurantes populares e a criação do Programa Chega Junto pelo Governo do RN. Além disso, o MNPR/RN criou a campanha “A solidariedade não pode entrar em quarentena”, em que a partir de doações recebidas passou a distribuir semanalmente kits de higiene, alimentação, álcool em gel, máscaras para as pessoas em situação de rua de Natal e Parnamirim.

 

(R.C.): De que maneira as pessoas podem ajudar o Movimento?

 

(F.C): As pessoas podem ajudar o MNPR/RN conhecendo o movimento e divulgando a luta pelos direitos da população em situação de rua. É fundamental desnaturalizar a violência e desconstruir ideias erradas, preconceituosas e meritocráticas de que as pessoas estão na rua porque querem ou nãos se esforçaram bastante. Vivemos no modo de produção capitalista, que tem a exploração e a desigualdade social como pilares, e são vários os complexos fatores que se entrelaçam e levam pessoas e grupos para as rua. Cada sujeito tem uma história única e deve ser respeitado e apoiado para superar suas dificuldades e viver com dignidade. No contexto de pandemia o MNPR/RN tem divulgados muitas ações e conteúdos em nossas páginas nas redes sociais. Quando finalizar a necessidade de isolamento social e forem possíveis atividades presenciais novamente, as reuniões ocorrem de portas abertas e parceires com ideias e desejos de contribuir com um mundo mais justo são sempre muito bem vindes.

 

(R.C.): A gente sabe que essa busca por estreitamento das desigualdades é uma luta diária que se mostra muitas vezes árdua e nada romântica, mas quais são os momentos de engrandecimento e agradecimento que você já conseguiu viver construindo o Movimento?

 

(F.C): Participar da construção do MNPR/RN me desafia cotidianamente e me possibilitou o exercício de olhar para a vida a partir de outros ângulos. Junto com as pessoas que vivem ou tiveram vivências de rua e demais apoiadores do movimento vivi situações muito intensas ao longo de quase oito anos: tristeza ao perder companheiros, frustração quando o poder público não nos responde no tempo e da forma que as pessoas necessitam, indignação diante da violência e da intolerância, mas também de alegria ao acompanhar o processo de homens e mulheres que superaram dores profundas e conseguiram se levantar diante das violações, se reconhecer e afirmar como sujeitos de direitos, de solidariedade e coletividade ao observar que quem menos tem muitas vezes é quem mais divide, se preocupa e enxerga o próximo “não como ameaça, mas como promessa” (parafraseando Galeano).A pop rua nos ensina muito, quando a gente se permite ver e ouvir de fato as pessoas, suas histórias e experiências, e viver a força do coletivo sentimos que apesar de todas as dores, a vida sempre pode mais.

 

(R.C.): Como podemos ajudar, diariamente, o Movimento?

 

(F.C): Atualmente acompanhando e compartilhando as ações, projetos, atos, abaixo assinados e demais conteúdos publicados pelo MNPR/RN nas redes sociais.

(R.C.): Você acredita que trabalhar pelas melhorias coletivas é também entrar em um processo de autoconhecimento?

 

(F.C): Sem dúvidas. Durante os anos que venho acompanhando o MNPR já testemunhei pessoas que a partir do envolvimento com o movimento conseguiram se fortalecer e organizar de modo a superar a situação de rua, alguns permanecendo ligados ao MNPR como pessoa com vivência de rua. Esse caráter “terapeutico” vivenciado pela pop rua que milita sob a bandeira do MNPR atribuo ao conhecimento que se adquire, ao sentimento de pertença e ao reconhecimento de que sua situação não se trata de fracasso individual, mas é permeada de fatores estruturais, e, sobretudo que existem companheiros/as que compartilham as dificuldades e se apoiam para a superação das mesmas. Falando do meu lugar de apoiadora, mulher branca de classe média, o MNPR mudou minha forma de ver e de ser no mundo. O movimento não só ocupa grande parte de minha energia, mas me constitui também como gente. Não consigo imaginar como seria hoje se não os tivesse encontrado durante a graduação em Psicologia na UFRN. Creio que algumas questões que tinham grande peso em minha vida e me causavam ansiedade e tristeza na adolescência, como a necessidade de me encaixar em padrões estéticos, comportamentais e de consumo impostos, hoje tem um lugar bem diferente por causa das lutas com as quais me envolvi, especialmente junto ao movimento de pop rua. Como sempre repete meu amigo Vanilson Torres, coord do MNPR/RN “só as lutas mudam a vida”.

 

Só as lutas mudam vidas.

Só seremos plenamente felizes quando o espírito de coletividade e amor se estender a todos, sem distinção.

Fica aqui o nosso agradecimento ao grandioso trabalho do MNPR/RN e pela possibilidade de somarmos nossas forças.